A discussão do limite do humor é uma não-discussão para quem faz dele uma segunda linguagem. A maioria dos comediantes já nem se dá ao trabalho de expressar a sua opinião pessoal sobre esta questão, por uma razão muito simples: o discurso ou a narrativa humorística não se rege pelas mesmas regras que os restantes géneros. Todas as leis da ética, moral e bom senso ficam à porta quando a intenção é fazer rir. Podemos não achar piada a alguma coisa, contudo, isso está directamente relacionado com o nosso conceito de qualidade (algo bastante subjectivo). Um assunto sagrado para alguns não o é para os restantes e ninguém é dono da absoluta verdade sobre o que não se deve ou não deve brincar, quando o contexto é exclusivamente humorístico e a sua intenção é apenas fazer rir. Existe, contudo, uma discussão que - infelizmente - não tem a mesma divulgação e muitas vezes é colocada no mesmo saco que aquela primeira: "o que é humor?" Perguntem a dez sábios diferentes a resposta a esta questão e nenhum deles saberá responder. Perguntem a dez loucos e arriscam-se a levar uma chapada na cara que vos irá irritar e fazê-los rir. Disse Mel Brooks que “tragédia é quando eu parto uma unha, comédia é quando tu cais num esgoto a céu aberto e morres”. De facto, as tragédias e dores alheias são sempre bastante mais simples de lidar, aceitar e, por consequência, de achar o seu lado cómico. Esta exploração de humor numa situação ou condição poderá ter uma de duas intenções: a primeira, de fazer rir alguém. Inclusive a nós mesmos. A segunda, de humilhar o sujeito em causa, rebaixando-o e tirando prazer com isso sob a forma de uma gargalhada. Se no primeiro caso a intenção é fazer rir, no segundo caso, a intenção é apenas fazer sofrer um terceiro com a justificação de estarem apenas a brincar. A brincar com o quê? Onde é que está a piada? Lamento, mas isso não tem nada a ver com humor. Uma piada sobre uma tragédia (quando bem feita) não é cruel, mesmo que assim o pareça a quem não perceba a intenção e o contexto da mesma. Isso é humor. Rir de alguém com Parkinson que tenta em vão tirar um pacote de lenços do bolso das calças, não tem piada e é cruel. Contudo, se pensarmos bem, o pessoal do Parkinson tem uma facilidade enorme em ralar cenouras e isso é de invejar. Rir de uma pessoa que tem uma deficiência motora, não tem piada e é cruel. Contudo, se pensarmos bem, essa malta tem sempre desculpa para não ir ao ginásio e isso é de invejar. Rir de alguém com gaguez quando ela está simplesmente a tentar falar não tem piada e é cruel. Contudo, essa mesma pessoa abastecer o depósito do carro porque ter receio de gaguejar a dizer “trinta euros” na caixa é bastante cómico (e caro). Tem piada? Eu não achei, porque ainda não tinha recebido e acabei por gastar o dobro do que queria. Mas para os outros deve ser bastante engraçado.
E têm razões para isso. Visto de fora tem piada.
Se for preciso fazer um desenho, avisem. Estejam descansados que eu não tenho Parkinson.
Rui Conceição
(autor, comediante, génio)